domingo, 22 de outubro de 2023

Que informações procurar em um Relatório Gerencial de FII de papel

Neste capítulo exponho as informações que considero fundamentais acompanhar mensalmente nos FIIs investidos ou com pretensão de comprar. Essa leitura difere da análise que é feita no primeiro contato com o fundo, onde o investidor deve coletar informações básicas sobre o fundo, como forma de distribuição de rendimentos, enquadramento de risco, etc.

Resultado x Distribuição (+/- reservas?)

Após ler a parte introdutória do Relatório Gerencial (RG), que na maioria das vezes é inútil*, procuro pela DRE para comparar o rendimento distribuído com o resultado auferido no mês. Daqui obtenho minha primeira informação essencial: o fundo está distribuindo todo o resultado, ou está consumindo reservas, ou ainda, está formando reservas. O próximo passo é tentar extrair alguma conclusão a partir de uma das 3 opções citadas:

- Distribuindo todo o resultado: particularmente gosto de fundos que distribuem todo o lucro auferido, mas é bom observar se essa política de distribuição não irá causar uma volatilidade negativa no rendimento anunciado, geralmente causada por um ou mais meses com inflação muito baixa.

O fundo VCJR11 é um excelente exemplo do que acabei de falar, esse é um fundo com foco em CRIs indexados ao IPCA que distribui pelo Lucro Contábil e não costuma fazer reservas. De posse dessa informação eu consigo prever com antecedência quando vai vir rendimentos fracos, e então tomar a decisão de vender provisoriamente ou ficar a postos para uma compra oportunista na Data Ex rendimentos.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=531434

- Consumindo reservas: Nesse caso o investidor deve analisar a quanto tempo o fundo vem usando reservas, e se o mercado está precificando o fundo pelo resultado ou pelo rendimento turbinado pelas reservas. Além claro de verificar por mais quanto tempo essa reserva poderia ser utilizada.

O melhor exemplo desse caso é o fundo RZTR11, que durante meses utilizou-se da reserva constituída com uma venda de terras com bastante ganho de capital para aumentar os rendimentos de R$0,85 para R$1,25, foram tantos meses que muitos cotistas que não acompanhavam a mais tempo foram pegos de surpresa quando os rendimentos voltaram para o patamar recorrente (o fato da gestão não divulgar o montante restante de reserva ajudou para essa surpresa). Observe na imagem abaixo como a cotação despencou quando houve a queda dos rendimentos (outros fatores macroeconômicos contribuíram para acentuar a queda):

Fonte: https://fiis.com.br/rztr11/

- Fazendo reservas: Quando o fundo está distribuindo menos do que o resultado, o cotista deve refletir o motivo da gestão estar fazendo isso, um motivo razoável é para se preparar para um período de inflação baixa ou deflação. Também já vi gestoras segurando o rendimento para não soltar um rendimento absurdamente alto, optando por linearizar o rendimento, essa geralmente é uma característica do fundo/gestão que o investidor deve investigar em seu primeiro contato com o fundo.

Uma terceira possibilidade para o fundo estar montando reservas é porque a gestão está segurando resultado para utilizar em um momento mais conveniente para ela, a saber, próximo e durante emissões. Por motivos nunca ouvi um gestor confessar estar fazendo isso, mas quem já está a mais tempo no mercado sabe que os gestores fazem isso.

Um caso que me levantou grandes suspeitas da possibilidade acima foi o que aconteceu em 2023 no MXRF11. A XP utilizando sua base de distribuição gigantesca conseguiu fazer com que o MXRF11 fosse um dos primeiros, se não o primeiro, fundo de papel a conseguir fazer emissões nesse ano. Até aí tudo bem, dentro do esperado, o que realmente me surpreendeu foram os rendimentos do fundo, muito acima do que vinha distribuindo em 2021 e 2022, que foram anos com inflação muito mais alta.

Pode ter sido coincidência, mas em 2023 o fundo teve muitas receitas com seus investimentos em permuta, que possuem uma forma de distribuição diferente dos CRIs e foram extremamente convenientes para a emissão em curso, já que os rendimentos na casa dos 1,10% a.m. foram fundamentais para manter o ágio do fundo.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=527119

*Com o tempo você vai decorar os fundos que só enrolam na introdução e pular essa parte do RG                

Projetar os próximos rendimentos

Analisado o resultado e a utilização (ou não) de reservas, o passo seguinte é projetar/estimar o próximo rendimento, para isso comparo o resultado obtido com a inflação do rendimento atual, com o provável resultado gerado pela inflação seguinte. Lembrando que para o cálculo do resultado geralmente é utilizada a inflação de 2 meses anteriores, já em outros fundos é utilizada a inflação de 2 meses atrás e do mês anterior.

Por exemplo, um IPCA de 0,5% em janeiro proporcionou um resultado de R$1,00 em março, para se ter uma aproximação do resultado de abril eu analiso o IPCA de fevereiro, nesse exemplo 1%, logo, posso inferir que o resultado de abril estará na casa dos R$1,50 (exemplo bem simplista*). Observe que estava falando de resultado, para estimar o rendimento é necessário levar em consideração a forma de distribuição do fundo, o nível atual de reservas de lucro e a política de uso de reservas.

O relatório gerencial de NCHB11 nos trazer uma tabela (ver abaixo) bem prática para analisarmos esse fator, apesar da forma de distribuição do fundo (Regime Caixa e sem giro de CRIs) atrapalhar a previsão dos rendimentos futuros.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=537103

E a imagem a seguir, extraída do RG de DEVA11, traz uma boa explicação sobre como os indexadores de inflação são utilizados no cálculo da remuneração dos CRIs.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=391806

A defasagem do indexador (1, 2 ou 3 meses) pode estar explicita em alguns relatórios gerenciais, como é o caso de KCRE11, o único fundo com defasagem de 3 meses que eu conheço. Já alguns será necessário obter essa informação comparando o histórico de resultado/rendimento (de preferência resultado) e os últimos IPCAs divulgados, de preferência com meses em que a grande variação no índice.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=534446

Entender o funcionamento da apuração da correção monetária é algo essencial em fundos de papel, por isso há um tópico exclusivo para esse assunto mais a frente.

*Podemos aperfeiçoar essa estimativa analisando a quantidade de dias úteis do mês competência, tema do tópico a seguir

 

Quebra das receitas

Aprofundando um pouco mais é bem útil saber de onde está vindo as receitas, geralmente são 3 fontes de receitas: juros, correção monetária e negociação de CRIs, entretanto, muitos gestores colocam uma única linha na DRE para as Receitas de CRIs, dificultando o entendimento de onde está vindo as receitas do fundo.

Quebra das receitas: Juros (prêmio / parte pré-fixada)

O prêmio é a parcela de juros pré-fixada dos CRIs, é o 6% do IPCA + 6% a.a., imagino que isso todos aqui saibam, mas nem todos devem saber que essa taxa de juros é dividida igualmente entre 252 dias úteis (252 d.u.). E temos meses com mais ou menos dias úteis, sendo que naqueles com mais d.u., mais juros são apropriados e vice-versa. Por isso, meses como fevereiro, que tem menos de 20 d.u., tem uma receita de juros bem menor do que agosto, que não tem um único feriado nacional (em 2023 foram 23 d.u.). Maio é outro mês com muitos dias úteis, observe na imagem abaixo extraída do RG de DEVA11 a diferença da linha juros nos meses maio e fevereiro.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=338055

Note que a apropriação dos juros não tem um delay.

Estar ciente do impacto do número de dias úteis é importante para prever meses com rendimentos baixos e altos, mas também é importante observar se os juros pagos fazem sentido, caso haja uma queda não explicada por um mês de poucos dias úteis é necessário ficar de olho, pois pode ser um atraso ou waiver.

Quebra das receitas: Juros (parcela pós-fixada)

Nesta seção vou falar sobre as receitas com juros, mais especificamente a parcela pós-fixada, o CDI, de um CRI CDI + 2%. Nas DREs a parte pós-fixada e a pré-fixada estarão juntos, mas possuem algumas particularidades.

A primeira diferença, mais óbvia, é que a parcela pós-fixada de um CRI indexado ao CDI é variável, o investidor não sabe de antemão quanto vai render essa parcela, vai depender de quanto vai estar a Taxa SELIC, ou mais tecnicamente, dos DIs.

Já outra diferença é que há um pequeno delay na parte pós-fixada do CDI, geralmente de 2 semanas, ou seja, o cálculo de juros é apropriado do dia 15 do mês anterior até o dia 15 do mês atual.

Dentre as semelhanças temos a divisão em 252 dias úteis e a menor frequência com que carências são vistas nas parcelas de juros, inclusive essa é uma das principais vantagens dos CRIs indexados ao CDI, pois como há bem menos carência, a dívida não fica aumentando e o investidor não precisa esperar tanto para receber seu dinheiro de volta, em termos técnicos, o duration de CRIs indexados ao CDI costumam ser bem menores do que os indexados ao IPCA.

Nas imagens abaixo é possível ver o gráfico de p.u. diário (preço unitário diário) de um CRI indexado ao CDI e na segunda imagem um CRI indexado ao IPCA. Observe que no CRI CDI o p.u. sobe durante o mês e depois volta próximo ao ponto inicial (p.u. = R$1000,00), isso acontece porque todo mês está sendo pago o prêmio e a parcela pós-fixada de juros (este comportamento é conhecido por CRI carecando). Como o p.u. volta para o ponto inicial podemos concluir que o CRI ainda se encontra na fase de carência de amortização.

Já no CRI indexado ao IPCA o p.u. vai subindo diariamente e em alguns pontos (nesse caso de 3 em 3 meses) há um decréscimo, provavelmente o pagamento do prêmio acumulado nos 3 meses. Entretanto, fica claro que o p.u. está subindo, isso acontece porque a correção monetária está sendo acruada no saldo devedor.

Fonte: https://truesecuritizadora.com.br/emissoes/

 

Fonte: https://truesecuritizadora.com.br/emissoes/

Quebra das receitas: Correção Monetária

Devido a ser um assunto mais complexo vou subdividir esse tópico.

Distribuição Lucro Contábil ou Regime Caixa

Antes de prosseguir vou falar um pouco sobre as duas formas de se distribuir resultados.

Na distribuição por Lucro Contábil o resultado passível de distribuição é apurado por competência, ou seja, a partir do fato gerador, portanto, a gestão não precisa necessariamente ter recebido do CRI para poder pagar rendimentos. Entretanto, o fundo precisa ter caixa distribuível para pagar, algo que só é possível quando o fundo tem outros CRIs que já estejam amortizando.

Na distribuição por Regime Caixa a correção monetária passível de distribuição é somente aquela que supera a amortização recebida, ou seja, o fundo precisa efetivamente ter recebido os recursos do CRI para poder distribuir. A consequência disso é uma demora muito maior para receber a CM, e o ponto positivo é que se trata de uma distribuição muito mais conservadora / segura.

Esse tema (forma de distribuição de resultado) é muito importante, portanto, estará explicado com mais detalhes em outra seção.

Delay (atraso) da Correção Monetária

Conforme mencionado anteriormente, existe um delay (atraso) no reconhecimento da correção monetária, tanto na distribuição por Lucro Contábil, como pelo Regime Caixa. A grande maioria dos CRIs que eu conheço possuem um Delay de 2 meses, mas há casos em que o atraso pode ser de 1 mês, 3 meses, semestral, anual ou apenas no vencimento.

Para identificar qual o Delay predominante no fundo busque correlacionar quanto tempo demorou para uma inflação muito alta (~1% a.m.) impactar o resultado/rendimento do fundo analisado.

Linha Correção Monetária na DRE

A principal informação a ser obtida na DRE é se a linha Correção Monetária está seguindo as altas da inflação, caso não esteja pode ser sinal de excesso de CRIs em carência, com concessões (Waiver) ou em Default. Na imagem abaixo temos um exemplo positivo no fundo URPR11, em que é possível ver a correção monetária subindo em abril/2023, devido a meses de IPCA na casa dos 0,70 a 0,80% em fevereiro e março. E caindo fortemente em agosto/2023 devido ao IPCA próximo de zero em junho.


Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=527102

Já uma linha de correção monetária acima do esperado pode ser um sinal de CRIs maduros que estejam em fase de amortização acelerada, o que é saudável e bem-vindo. Ou pode ser que a gestão esteja negociando CRIs no mercado para destravar a inflação acruada no CRI, o que nem sempre é saudável, como será demonstrado no tópico dedicado a essas negociações.

Por outro lado, não podemos condenar um fundo quando a correção monetária está menor do que a esperada, pois isso pode estar acontecendo devido as características de amortização dos CRIs na carteira. No entanto, um bom gestor deve estar atento as fases dos CRIs que são comprados, tendo sempre CRIs recentes, como CRIs maduros (já em fase de amortização).

Reserva de Correção Monetária

Reserva de Correção Monetária, ou, reserva de lucro na forma de correção monetária que ainda não virou caixa, é parte da receita do CRI que para ser destravada depende de amortização suficiente para ser liberada para distribuição, nos fundos regime caixa. O entendimento fica mais fácil com um exemplo:

“O CRI ABCD pagou em outubro/2023 R$1.000.000 em juros e a correção monetária (inflação) referente ao mês foi de R$1.500.000, no entanto, a amortização programada para aquele mês era de apenas R$800.000. Dessa forma o CRI pode pagar aos seus detentores R$1.800.000 e R$700.000 de correção monetária foram incorporados (acruados) ao saldo da dívida”.

Essa correção monetária represada, se o CRI estiver saudável, costuma ser liberada na parte final do CRI, quando as parcelas de amortização são maiores e mais frequentes.

Reservas muito altas indicam muitas operações em carência ou com amortização bullet (somente no vencimento) ou Cash Sweep (quando acontece um evento, como entrega de chaves ou repasse do financiamento para um banco). Fundos com a característica descrita acima e que tenham distribuição pelo regime caixa possuem rendimentos erráticos (baixos mesmo com inflação alta e altos mesmo quando não esperamos).

O melhor exemplo que me vem a mente é o fundo NCHB11, fundo High Yield majoritariamente indexado ao IPCA, que por muitas vezes decepcionou pelo rendimento fraco, sendo um dos fatores a forma de distribuição e um CRI relevante com correção monetária anual, o CRI Cidade Universitária.

 

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=537103 

Já reservas muito baixas são perigosas quando se vislumbra um longo período de inflação baixa / deflação e muitas vezes é causada por um excesso de negociação de CRIs, tema do próximo tópico.

Conclusões

Observe se a correção monetária é condizente com a inflação de 2 meses atrás, uma CM baixa mesmo para uma inflação pesada pode significar um excesso de operações em carência ou com amortização somente no vencimento.

Utilize as informações desse tópico e do anterior para prever rendimentos futuros fortes ou fracos, por exemplo, se uma inflação baixa coincidir com um mês com poucos dias úteis é bem provável que o resultado seja muito baixo, e o contrário também é válido, uma inflação alta mais um mês com muitos dias úteis vai gerar um resultado muito forte. Utilize isso a seu favor para vender ativos antes que venha uma queda forte ou para não vender cedo demais um ativo que está sendo precificado por um bom rendimento na Data Com.

Quebra das receitas: Negociação de CRIs

A não ser que esteja em carência ou Default, quase sempre as parcelas de juros são pagas mensalmente, já o pagamento da Correção Monetária (CM) é muito mais complicado: os períodos de carência dessa parcela são muito mais longos e a frequência com que são pagos varia muito, em alguns casos sendo feito anualmente, ou tudo no vencimento do CRI (Bullet).

Além da presença de mais carências e frequência menor, a CM ainda necessita que haja amortização suficiente para que seja possível distribuir toda a inflação do mês referência, por isso é comum nos tempos de inflação alta os fundos mais conservadores, que não fazem trade de CRIs, não consigam repassar toda a inflação.

Devido a todas essas limitações para conseguir “pagar” a correção monetária, muitos gestores têm adotado a estratégia de vender os CRIs a mercado e recompra-los pouco tempo depois, dessa forma destravando a correção monetária acruada. Para facilitar o entendimento irei reforçar com um exemplo simplista:

“O CRI ABC possui remuneração de IPCA + 6% e carência de correção monetária por 2 anos. O gestor X comprou R$100MM do CRI ABC em janeiro, e desde vem recebendo juros todos os meses, mas a correção monetária tem sido acruada no valor do CRI, sendo que o IPCA ficou em 0,50% todos os meses durante um ano inteiro, o que fez com que o saldo atual do CRI fosse para R$106,70MM.

O gestor X estava sendo muito cobrado pelos cotistas devido aos rendimentos abaixo do esperado, foi então que a gestão decidiu por vender o CRI ABC para o gestor Y (seu conhecido), na condição de recomprar o CRI ABC no dia seguinte. Com essa movimentação o Gestor X ficou com R$100MM de principal + R$6,70MM de correção monetária, que é distribuível. E no dia seguinte ele completou os R$100MM de principal com mais R$6,70MM que estavam no caixa (não distribuível, a não ser via amortização) para poder recomprar o CRI ABC.

No mês seguinte ele fez a mesma coisa, dessa vez vendendo por R$107,23 (inflação de 0,5%), o que liberou mais R$0,53MM de correção monetária distribuível. ”

Observe como a negociação de CRIs é uma forma de antecipação de resultados, o que é excelente no curto prazo, a não ser que o CRI entre Default, pois nessa situação o fundo terá distribuído algo que ainda não havia recebido efetivamente. Outro risco é caso venha um período de inflação muito baixa ou deflação e não haja CM acruada no CRI, dessa forma zerando essa linha de receita.

Nos fundos que distribuem pelo Lucro Contábil não há negociação de CRIs, ou se há é irrelevante, pois o gestor não necessita fazer esse giro para poder distribuir a correção monetária mensalmente.

Nos relatórios gerenciais você deve observar a frequência que o gestor vem utilizando essa estratégia. Esta é mais uma informação que você deve usar para melhorar sua previsão dos rendimentos futuros, junto é claro da reserva de resultados, da reserva de CM e das projeções da inflação para os próximos meses.

Caso o gestor tenha negociado muito CRI, as reservas estejam baixas e as projeções de inflação apontam para inflação baixa, é bem provável que o fundo enfrente meses de baixo rendimento. E foi exatamente isso que aconteceu com o fundo CPTS11, por muito tempo a gestão ficou fazendo giro de CRIs para destravar a inflação acruada, isso permitiu que a gestão mantivesse um bom rendimento para um fundo High Grade mesmo com inflação baixa/deflação. O problema foi que veio outro período de inflação baixa/deflação e dessa vez o fundo foi pego completamente desprevenido, causando uma redução drástica nos rendimentos.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=469978

                                                                                           

  

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=469978

Existe ainda uma segunda possibilidade na negociação de CRIs, o ganho de capital via valorização do CRI, isso acontece quando as taxas de juros do mercado como um todo caem, por exemplo, se você tem um ativo de R$1000 que te rende 10% a.a. e a curva de juros cai, irá começar a aparecer investidores dispostos a comprar seu título de dívida por uma remuneração menor, por exemplo, 5% a.a. A taxa que o devedor paga continua sendo 10% a.a., então o preço do ativo precisa subir para R$2000 para trazer a rentabilidade na faixa dos 5%. Esse tema é muito mais complexo do que o eu acabei de escrever, para saber mais pesquise pelo impacto da curva de juros no mercado de CRIs.

Como demonstrado no parágrafo anterior, é possível ganhar dinheiro “negociando as movimentações da curva de juros”, o problema dessa estratégia é que quando você vende um ativo num certo ponto da curva de juros, você precisa realocar novamente naquele ponto da curva de juros, logo, terá que comprar CRIs apreciados também. Explicando com um exemplo mais próximo do investidor, é como se fosse comprasse PETR4 na baixa, vendesse posteriormente na alta com bastante lucro e em seguida comprasse PETR3, também na alta.

Existe a possibilidade do gestor ser capaz de vender os CRIs na alta e recomprar na baixa, mas também existe a possibilidade do mercado de crédito ficar ainda mais positivo e o gestor ter de recomprar mais caro.

Movimentações no mês

Veja para onde está indo o dinheiro que entra todo mês através das amortizações, ou os recursos de emissões. Independente se os recursos estão indo para novas operações ou em tranches das operações existentes, analise se alguma posição ficou demasiadamente grande e observe também se a taxa dos CRIs adquiridos é inferior ou superior a taxa média atual. Quando a taxa SELIC está muito elevada é de se esperar que a taxa média do fundo aumente, já nos ciclos de juros baixos é preciso se atentar se a taxa média não está reduzindo muito rapidamente, principalmente se tiver acontecido uma emissão recentemente.

Outro ponto a ser observado é se o fundo não está fugindo da proposta inicial e ingressando em novos segmentos. Um exemplo excelente é quando URPR11 começou a comprar CRIs de Multipropriedade, até então o fundo tinha apenas ativos no segmento de Loteamento e Incorporação Vertical. Me recordo de que no começo houveram críticas de investidores que tinham receio das compras compulsivas nesse segmento, mas como o fundo vinha pagamento extremamente bem, esse assunto foi “superado”.

Pouco mais de um ano depois o fundo e os cotistas sofreram com essa decisão, saindo de um ágio de 2 dígitos para, no momento em que escrevo, um desconto de 10% sobre o VP, sendo o receio nas Multipropriedades um dos principais fatores.


Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=228628

Acompanhamento dos principais CRIs

Primeira coisa, tentar acompanhar todos os CRIs do fundo é loucura, CRIs com menos de 3% costumo nem olhar, pois não vale o esforço. Além de olhar a foto atual é importante acompanhar o histórico dos indicadores de acompanhamento, para isso abro o relatório gerencial de 2 ou 3 meses e comparo a evolução, caso algo me chame a atenção abro um relatório mais antigo (6 meses ou 1 ano) e continuo a análise.

Lamentavelmente uma grande quantidade de gestores não trazem em detalhe indicadores fundamentais para analisar a situação do CRI, inclusive uma vez questionei um gestor sobre a ausência de certos indicadores e recebi a resposta de que os cotistas deviam confiar na gestão, não por coincidência os fundos dessa gestão não conseguem ficar com ágio.

Identificar se o fundo disponibiliza meios de acompanhar os CRIs é uma tarefa que deve ser feita logo no primeiro contato com o fundo e em caso negativo nos fundos High Yield é motivo para exigir um desconto a mais nesse fundo.

No entanto, algo que é possível fazer em todos os fundos é acompanhar a evolução do saldo devedor do CRI, esse acompanhamento pode nos dizer em que fase o CRI se encontra, se está em carência, exigindo novos aportes ou se já é maduro e está amortizando. Um CRI que apresenta grandes saltos no saldo devedor de um mês para o outro é sinal de que está em fase inicial e ainda está recebendo dinheiro de novas tranches. Quando o saldo devedor aumenta gradativamente significa que ele se encontra na fase de carência, ou na pior das situações, em waiver ou Default. A melhor das situações é quando o saldo devedor do CRI cai mês após mês, pois isso significa que o projeto/empresa financiada está sendo capaz não apenas de pagar juros e correção monetária, mas também amortizar o saldo devedor.

Utilizarei as 4 principais CRIs de Multipropriedade de URPR11 para exemplificar, as imagens abaixo são um recorte da tabela de CRIs dos meses de março, junho e agosto de 2023, respectivamente. Observe que o saldo devedor do FDIC Residence se mantém estável nos R$111,8 milhões, que é o esperado de uma dívida indexada ao CDI que ainda não está amortizando, o que também é o esperado de um projeto que ainda está em construção.

Já o CRI Lagoa Quente nesses 5 meses apresentou uma alta no saldo devedor de R$88 milhões para R$89,85 milhões, uma alta que indica um CRI na fase de carência de correção monetária ou com amortização ainda não acelerada, mas também é um indicativo de que a gestão não tem tido que fazer novos aportes em tranches subsequentes.

No caso do CRI Hot Beach tivemos uma queda de R$47,7 milhões para R$43,3 milhões, indicando que se trata de uma CRI de Multipropriedade saudável em fase de amortização acelerada.

O último exemplo é o CRI Five Sense, nessa multipropriedade temos um salto significativo do valor investido, um claro indicativo de que se trata de um empreendimento ainda em fase de construção recebendo aportes frequentes.


Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=452130

 

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=502399

 

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=527102

Como deve ter ficado claro, a análise acima demando um pouco mais de tempo, mas é o custo que o investidor terá que pagar caso queira investir em fundos de papel High Yield (com consciência).

Despesas

Preste atenção nas despesas em dezembro/janeiro e junho/julho, que é quando geralmente acontece o pagamento da taxa de performance. Se for um valor excessivo aumente o desconto exigido para comprar cotas desse fundo. No exemplo abaixo temos a DRE de VGIR11, observe como as despesas deram um salto em dezembro, sendo 4 vezes maior do que em novembro, representando quase 30% da receita do mês. Isso acontece porque a meta da taxa de performance é 100% do CDI e a taxa média do fundo é CDI + 4,6%.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=509995

Em alguns casos a performance é provisionada mensalmente, para diluir o impacto. Se o fundo apura performance todos os meses é um sinal de benchmark muito fácil de ser batido, como exemplo posso citar BARI11 (antes do IGPM afundar).

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=329009

DRE Lucro Contábil x DRE Regime Caixa

Algo extremamente raro de ser encontrado nos Relatórios Gerenciais, mas muito útil, é a presença de duas DREs, uma com o resultado contábil e outra com a movimentação pelo regime caixa. Foi a presença de duas DREs no RG de VSLH11 que permitiu a mim e vários outros investidores “pularem fora” de fundos do grupo Hectare antes mesmo da bomba explodir. Na ocasião foi possível perceber uma clara divergência entre o resultado contábil e o caixa, sendo o primeiro muito maior do que o segundo e a distribuição sendo feita conforme o regime competência, com a distribuição caixa sendo muito superior a gerada, uma situação insustentável por muito tempo.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=532556

Já como exemplo positivo posso citar o HSAF11, em que é nítida a proximidade entre os dois resultados, no acumulado.

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=532551

Operações compromissadas

No primeiro relatório gerencial lido o investidor já deve procurar se o fundo possui operações compromissadas (a forma de se alavancar dos fundos de papel) e se há uma correlação entre o indexador dos ativos e dos passivos. Porém, esse é um acompanhamento que deve ser feito periodicamente para verificar se a gestão começou a adotar essa prática, ou se aumentou a alavancagem. E se possível verificar o impacto da alavancagem via compromissadas.

O mercado de fundos imobiliários nos proporcionou um exemplo nítido de operações compromissadas empregadas de forma errônea, e foi numa grande casa de gestão. A Capitânia falhou de forma miserável ao adotar operações compromissadas em CPTS11, isso porque se trata de um fundo 100% indexado ao IPCA e a taxa SELIC se encontrava em 13,75% quando as contratações foram realizadas, ocasionando numa despesa financeira superior aos ganhos obtidos com a alavancagem.

 

Fonte: https://fnet.bmfbovespa.com.br/fnet/publico/exibirDocumento?id=529941

Acompanhamento da presença de fundos imobiliários

Assim como no caso das operações compromissadas, verificar a presença de fundos imobiliários é um dos pontos do Checklist da primeira análise de um fundo de papel, mas o investidor deve continuar o monitoramento dessa questão, pois como foi explicado quando elenquei os pontos de avaliação de um novo fundo de papel (para o investidor), é muito conveniente para gestores aplicarem recursos em outros fundos imobiliários.

No acompanhamento periódico o cotista deve prestar atenção se o percentual de FIIs está aumentando, e quais fundos estão sendo comprados ou vendidos.

16 comentários:

  1. Blog incrível! Terei que examiná-lo com mais atenção!
    Obrigado!

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  2. Você não acha absurda essa taxa de administração de 1.6% do VCJR? Come praticamente 20% da receita bruta, na média. Tem algum post seu que você analisa essas questões de taxas de adm. e performance? Obrigado!

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    1. Já achei essa taxa absurda também, mas hoje em dia prefiro um fundo com taxa de 1,60% do que um com 1,20% + taxa de performance fácil de ser batida. Está comendo bastante receita agora pq a inflação está baixa, quando a inflação está alta diminui bastante. Vou fazer uma postagem abordando a análise de primeiro contato com um fundo de papel, lá vou comentar sobre a análise das taxas.

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  3. Blog excelente! Compartilhar o seu conhecimento é um ato de grandeza. Obrigado!

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  4. Estou achando todas essas matérias muito úteis. Sou beginer na área e tenho aprendido muito com esse seu blog educativo Thiago. Parabéns pela boa vontade de compartilhar seus conhecimentos. Sem dúvida isso é notável. Muito obrigado.

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    1. Feliz por estar ajudando, siga visitando o blog, pode demorar um pouco para sair posts pq estou tentando aumentar o nível do blog

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  5. Muito bom, obrigado por compartilhar! Dá pra fazer um canal no YouTube :P

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  6. Caralho, muito bom! Eu acho que vale a pena cada momento de investi em ler seu post.

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    1. Muito obrigado. Tento ser direto e sempre passar conteúdo, bem diferente de muito influenciadores, que falam meia hora e você não extrai uma vírgula.

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  7. Ótimo post. Parabéns!

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  8. Amigo, quanta informação de valor! Acompanho seus posts no ClubeFii também. Parabéns pelo excelente trabalho!

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  9. Excelente Tiago. Obrigado por compartilhar o conhecimento

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