quinta-feira, 26 de maio de 2022

Como eu faço Valuation de Fundos Imobiliários #3 Fundos de Tijolos

Para facilitar o entendimento vou dividir em 3 etapas:

1) análise setorial: escolher os melhores segmentos

2) análise intrasetorial: escolher as melhores opções dentro de um determinado segmento

3) valuation: determinar um ponto de entrada seguro


1. Análise Setorial

Antes de mais nada saiba que a análise de fundos de tijolos é uma análise mais qualitativa do que quantitativa. E minha principal base teórica, que é muito relacionada a prática, são as forças competitivas de Michael Porter, caso nunca tenha tido contato recomendo a leitura do livro ou ao menos artigos sobre o tema.


As 5 forças de Porter são:

1. Ameaça de novos entrantes: facilidade com que novos imóveis são construídos

2. Ameaça de produtos substitutos: risco de mudanças no mercado afetarem o segmento

3. Poder de barganha dos clientes: análise de quem precisa mais de quem, o fundo precisa mais do inquilino ou o inquilino necessita mais do imóvel

4. Poder de barganha dos fornecedores: não se encaixa muito bem em fundos imobiliários

5. Rivalidade entre concorrentes: nível de disputa pelos inquilinos


A seguir a análise das forças de Porter para cada um dos segmentos:


1.1. Shoppings

1. Ameaça de novos entrantes: considero como muito baixa, já que shoppings demandam grandes espaços em locais movimentados, logo os terrenos disponíveis são muito escassos. Além de que construir shoppings pode custar centenas e centenas de milhões e o risco do novo shopping não atrair clientes é uma grande preocupação

2. Ameaça de produtos substitutos: No caso dos shoppings é a migração para o comércio online, que é um risco real. Entretanto, algo que minimiza esse efeito é a substituição do comércio para serviços, que em alguns casos não tem como ser migrado para a internet (salão, academia, faculdades, etc.)

3. Poder de barganha dos clientes: lojas âncora possuem um poder de barganha bem elevado sobre o shopping, no entanto, para lojistas menores o poder está com a administração do shopping. Mas é claro que o que vai ditar essa batalha é o nível de vacância do imóvel

4. Poder de barganha dos fornecedores: não se encaixa muito bem em fundos imobiliários

5. Rivalidade entre concorrentes: depende muito da proximidade de outro shopping


Conclusão: proporciona bastante segurança, junto de fundos de Renda Urbana é um dos meus segmentos favoritos


1.2. Galpões Logísticos

1. Ameaça de novos entrantes: Considero como extremamente alta, um galpão logístico leva apenas cerca de 1 ano para ser “levantado”. Além de que a escassez de terrenos para a construção é a menor de todos os segmentos. Dizem que no Last Mile (até 30km dos grandes centros) já há escassez de terrenos para a construção de galpões devido ao avanço das cidades, mas tenho minhas dúvidas.

2. Ameaça de produtos substitutos: Não consegui encontrar algo que se encaixe nessa força

3. Poder de barganha dos clientes: Nesse segmento há muitos casos de empreendimentos Sale and Leaseback e monoinquilino, situação péssima para o fundo, já que uma eventual desocupação tem potencial de causar vacância relevante para o FII. Quanto maior a concentração no inquilino, maior o poder de barganha dele. A situação oposta são os condomínios logísticos, em que há uma gama muito maior de inquilinos, diminuindo o poder desses e facilitando o reajuste de aluguéis.

Ainda dentro dessa força é necessário levar em conta que para o consumidor final tanto faz o centro de distribuição de onde veio o produto requisitado, então na maioria dos casos não existe uma “fidelização” do imóvel (esse ponto vai ficar mais claro quando você chegar na análise de Renda Urbana)

4. Poder de barganha dos fornecedores: não se encaixa muito bem em fundos imobiliários

5. Rivalidade entre concorrentes: No momento em que escrevo (maio/22), não visualizo tanta disputa entre galpões, já que o mercado está positivo para os proprietários, mas com a entrada cada vez maior de galpões novos e modernos a disputa deve se acirrar.

 

Conclusão: segmento extremamente especulativo

 

1.3. Lajes Corporativas

1. Ameaça de novos entrantes: Baixa, devido ao longo tempo de construção (3 a 4 anos) e escassez de áreas para a edificação de novos imóveis, principalmente em áreas mais privilegiadas (onde vão meter mais um prédio na Faria Lima?).

2. Ameaça de produtos substitutos: Trabalho Home Office e reuniões online, que na minha opinião vai diminuir muito a demanda por áreas

3. Poder de barganha dos clientes: Vai depender da porcentagem que o inquilino representa para o imóvel/fundo, mas geralmente os prédios possuem mais de um inquilino, algo que contribui positivamente para os proprietários.

Outro fator, até mais importante do que primeiro, é o nível de vacância na região. Alta vacância significa inquilino colocando proprietário contra a parede, que é a realidade atual dos fundos de lajes.

Já a “fidelidade” do inquilino ao imóvel varia bastante, tem algumas empresas que estão a anos em determinado local e tal localização se torna importante para ela. Entretanto, nessa crise das lajes se ouvia bastante de inquilinos aproveitando da vacância elevada para migrarem para uma região melhor. Então pode-se concluir que Lajes em localizações B possuem uma baixa fidelização com o inquilino.

4. Poder de barganha dos fornecedores: não se encaixa muito bem em fundos imobiliários

5. Rivalidade entre concorrentes: Muito elevada, vide as condições oferecidas para novos contratos (carência e descontos) durante e após a pandemia.

Algo que também afeta negativamente essa força competitiva é a proximidade entre os imóveis.

 

Conclusão: ninguém sabe até onde vai o impacto do Home Office para o setor, tornando-o muito nebuloso

 

1.4. Renda Urbana

1. Ameaça de novos entrantes: Estabelecimentos de comércio (supermercado, lojas...) ou de serviços (análises clínicas, consultórios...) necessitam estar em locais com grande fluxo de pessoas, ou seja, bem localizados. Tais regiões geralmente estão bem ocupadas, dificultando a entrada de novos concorrentes (construção de novos imóveis na região)

2. Ameaça de produtos substitutos: Esse é um segmento que pode vir a ser afetado negativamente pela migração para o comércio online

3. Poder de barganha dos clientes: Nesse segmento pesa muito o fator fidelização, a localização é algo muito importante para o inquilino, já que seus clientes estão acostumados com tal local. Logo, o custo para o inquilino mudar vai muito além do dispêndio com movimentação de materiais físicos e reformas, o principal custo é a perda potencial de clientes devido a mudança, então o inquilino precisa pensar muito bem antes de devolver o imóvel.

Como o custo de mudar de imóvel é algo caro para o inquilino, o poder de barganha do proprietário aumenta bastante.

4. Poder de barganha dos fornecedores: não se encaixa muito bem em fundos imobiliários

5. Rivalidade entre concorrentes: Depende muito da vacância na região 

 

Conclusão: Considero um excelente segmento, pois a localização é algo fundamental para o inquilino e acredito que as chances de haver escassez são maiores


2. Análise Intrasetorial

Definido qual segmento você quer aportar, o próximo passo é definir qual fundo escolher.

Não vou detalhar esse tópico porque o blog já conta com a análise de uma infinidade de fundos.


2.1. Shoppings

Tirando aqueles com rolos (ABCP11, PQDP11 e BPML11), considero todos os fundos do segmento como muito bons, mesmo com gestores fazendo movimentos controversos (VISC11 e a emissão da Ancar / MALL11 comprando shoppings no RJ com RMG).


2.2. Galpões Logísticos

Tenho um post específico para escolher as melhores opções nesse segmento:

https://fiica-esperto.blogspot.com/2022/02/como-analisar-fundos-logisticos.html


2.3. Lajes Corporativas

Pior segmento na minha humilde opinião, se for para especular prefiro galpões logísticos e para longo prazo prefiro os outros dois segmentos restantes.

 

2.4. Renda Urbana

Possui apenas 3 opções até o momento em que escrevo (TRXF11, EVBI11 e HGRU11), então não há muito o que escolher, caso tenha tolerância a alavancagem coloque mais TRXF11, caso seja mais conservador inclua mais HGRU11 e caso EVBI11 tenha liquidez no momento em que você estiver lendo esse post, dê uma chance para ele.


3. Valuation

Definido o segmento e os melhores fundos, chegou a hora de definir um ponto de entrada seguro.

E o que seria um ponto de entrada seguro? É um preço onde está embutido o risco de suas projeções futuras não se concretizarem. Quanto mais incertezas o segmento/fundo tiver, maior deve ser o prêmio por ter tal fundo em carteira, o famoso “carrego”. A seguir do maior carrego para o menor carrego (mais arriscado para menos arriscado):

Lajes Corporativas > Galpões Logísticos > Renda Urbana > Shoppings (estou ciente de que o mercado não concorda comigo)

Outro detalhe importante, VP em FIIs de Tijolos não servem para quase nada. No começo dava muita atenção, mas hoje em dia ignoro na maioria das vezes, tanto é que quase me esqueci de colocar esse item na análise. Prefiro me atentar aos rendimentos distribuídos, que é algo muito mais concreto.

Como não tenho tempo de ficar fazendo post com frequência, vou fazer a análise considerando um cenário mediano (IPCA ~ 4,5% e SELIC ~ 8%). Então a partir desse ponto ignore as taxas em que estamos vivendo hoje (maio/22) e considere as taxas apresentadas acima.

Aqui vai uma polêmica: FIIs de tijolos são mais arriscados do que FIIs de Papel. Isso acontece porque na papelada você já conhece de antemão as taxas que você vai receber num cenário sem Default, já em FIIs de tijolos é uma caixinha de surpresa. Portanto, acredito que para um FII de tijolo valer a pena ele deve pagar mais do que um FII de Papel Middle Risk (aproximadamente IPCA + 6 a 7%), já que considero o risco de Default muito baixo nos FIIs Middle Risk atuais, ou seja, o FII de tijolo deve ter um Yield superior a 7%, para valer a pena o risco de vacância, descontos, ciclos, etc.

Outro motivo para eu exigir uma remuneração maior do que o prêmio dos FIIs de Papel é que nesta classe de ativos a gente recebe a inflação de forma isenta, já nos tijolos temos que pagar 20% de I.R. na maioria das vezes.

A seguir apresento um carrego que considero justo para o cenário descrito.


3.1. Shoppings

Poucos meses após o fim da pandemia e fechamentos absolutos os shoppings já se encontram com índices de ocupação superiores a 90%, demonstrando como esse segmento é resiliente.

Como acredito bastante em shoppings e em sua capacidade de repassar a inflação para o aluguel, aceitaria um carrego na casa dos 0,60% a.m. ou 7,2% a.a.

 

3.2. Galpões Logísticos

Fundos logísticos vivem uma lua de mel que já dura uns 3 anos e até hoje não vi altas significativas do preço pedido por m², mesmo com 2 anos seguidos de inflação com 2 dígitos.

Dica: utilize os Relatórios Gerenciais de VILG11 para acompanhar o valor pedido pelo mercado



Como resultado do exposto acima e no primeiro passo, considero que um carrego bom seja na casa dos 0,70% a.m. (8,40% a.a.) para cima.

Bom lembrar que o objetivo do post é Valuation para compras com objetivo de encarteirar (sem previsão de venda). Para estratégias de trade, principalmente a de aproveitar a queda dos juros, eu aceitaria valores abaixo do patamar mencionado acima.


3.3. Lajes Corporativas

Por ser o segmento mais arriscado dos 4 mencionados nesse estudo, o prêmio de risco necessita ser maior. Para lajes fora da Faria Lima colocaria um carrego a partir de 0,75% a.m. (9% a.a.) sendo bem generoso. Para lajes na Faria Lima estaria contente com uns 0,65% a.m. / 7,80% a.a.

                                                     

3.4. Renda Urbana

Como sua concentração é maior do que a de FIIs de shoppings, acredito que um carrego de 0,60% a 0,65% a.m. (7,2% a 7,80% a.a.) seja adequado.


3.5. Resumo

Shoppings: DY = 7,20% ou FII Papel MR + 0,2% a.a.

Galpões Logísticos: DY = 8,40% ou FII Papel MR + 1,4% a.a.

Lajes Corporativas: DY = 9,00% ou FII Papel MR + 2,0% a.a.

Renda Urbana: DY = 7,80% ou FII Papel MR + 0,80% a.a.


Observações:
- Análise de fundos de tijolos é algo muito mais complexo do que o exposto aqui
- Não sei futuramente, mas atualmente sou uma pessoa que prefere muito mais FIIs de papel do que FIIs de tijolos (observação completamente desnecessária de ser dita)
- Não utilize o exposto aqui como recomendação de compra/venda

7 comentários:

  1. Corajoso. Racional bem elaborado. Parabéns.

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  2. Tenho acompanhado os comentários no ClubeFii há quase um ano e já aprendi muito sobre FII's por ali. Sempre gostei de seus comentários, embora muito críticos e um pouco pessimista. Agora descobri esse seu blog e estou achando muito bom. Esse post p.ex. está muito bem explicado e detalhado. Pra mim que sou leigo é uma ajuda e tanto. Parabéns! E obrigado pela dedicação.

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  3. Na pandemia os shoppings sofreram mais que os outros, lajes atualmente é o pior mesmo, mas no futuro não sei. Setor logístico foi o que deu melhor resultado, mas conforme você colocou, é relativamente fácil vir novos concorrentes... Abs

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  4. Excelente análise. Pra mim LAJE está morrendo. Vai ser uma morte dolorosa e lenta. Não tenho mais nenhum desde a pandemia. Decisão acertada. Home Office veio pra ficar. A moda agora até mudou: é anywhere office. Tem gente trabalhando pra gringa no Brasil.

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    1. Nos EUA já morreu! Veja a reportagem abaixo:
      https://www.infomoney.com.br/onde-investir/especuladores-dobram-aposta-em-crise-de-credito-e-operam-contra-reits-os-fiis-americanos/

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  5. Poderia nos dar um exemplo de valuation?

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  6. O método mais fácil é anotar cada aluguel e deduzir a média 12m das despesas, achando o resultado e dividindo pelas cotas. Daí só aplicar o % a.a. que vc quer ganhar. Exemplos ALZR e GGRC. Não considero ganhos de capital neste cálculo porque é não recorrente (vide HGLG que não tem suporte recorrente para pagar os famosos 1,10)

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